SÃO PAULO – Se existe um país no mundo que entende de seca e crise hídrica, esse país é a Austrália. Com 35% do território nacional classificado como deserto e grande dependência da chuva para atender às demandas por água da população, a Austrália aprendeu, como ninguém, a administrar os parcos recursos hídricos que tem a sua disposição. O que não poupou o país de sofrer – e muito – com o fenômeno climático conhecido como a “Seca do Milênio”, que durou mais de uma década (1997 a 2012). Mas muito foi aprendido durante a longa estiagem e hoje, o país divide as lições mais importantes com o mundo.
O Estado norte-americano da Califórnia – afligido por uma grave seca entre 2011 e 2016 – foi um dos primeiros a buscar, publicamente, o expertise australiano. Agora, é a vez do Brasil beber da fonte de sabedoria aussie. Por iniciativa da Aliança pela Água – que surgiu no começo da crise hídrica do sudeste, em 2014, e que hoje articula mais de 60 organizações e movimentos para a construção de uma nova cultura de cuidado com a água – um relatório australiano que reúne o grosso das lições aprendidas durante a seca por lá está sendo traduzido para o português.
Uma versão parcial do documento já está disponível para consulta com o título “Lições aprendidas com a crise hídrica na Austrália”. Nele, há o detalhamento das cinco grandes lições australianas, um resumo de 12 medidas adotadas para limitar o impacto da seca no país e um apanhado das percepções acerca do pacote de atitudes do país frente à estiagem. Abaixo, o Juntos pela Água destaca seis grandes conclusões que constam no relatório (no fim da página, veja como consultar o trabalho na íntegra).
As 6 conclusões australianas
As principais conclusões a partir das experiências da Austrália com o enfrentamento da “Seca do Milênio”
- Lidar com uma estiagem severa requer tanto opções no campo da oferta quanto no campo da demanda de água. É crucial priorizar opções com boa relação custo-benefício (custo mais baixo por volume de água). Embora programas que se concentram no campo da demanda individual possam economizar menos água no total do que poderia ser produzido com o aumento da infraestrutura para se obter mais água, isso não justifica, por si só, priorizar as opções de oferta; – dependendo do contexto, algumas opções de infraestrutura para ampliar a oferta de água em larga escala podem ser mais caras e demorar mais tempo para serem implantadas. Durante a “Seca do Milênio” na Austrália, diversos programas de eficiência hídrica de baixo custo foram rapidamente implementados em larga escala, gerando economia de volumes significativos de água e reduzindo a velocidade da queda nos níveis dos reservatórios.
- Programas sólidos no campo da demanda incentivam e promovem a economia de água por parte de todos os usuários e públicos interessados – residenciais, serviços, indústrias e governos. Isso maximiza o potencial de economia de água e pode atingir economias de escala, particularmente em programas residenciais voltados a variados tipos de uso. De igual importância, o envolvimento da comunidade e de todos os setores promove um sentimento de justiça, colaboração na economia de água, aceitação e apoio para estratégias de resposta à seca de maneira geral, incluindo a definição de restrições e metas.
- Uma estratégia eficiente no campo da oferta de água considera opções tecnológicas modulares, escaláveis, diversas e inovadoras. Como é sempre difícil prever a duração e gravidade de uma seca, faz-se necessário ter uma visão de curto prazo e ao mesmo tempo progressiva quanto à infraestrutura de ampliação da oferta de água, desde que acompanhadas de decisões que evitem o aprisionamento tecnológico ou por fabricante, e previnam custos irrecuperáveis no período pósseca. Além disso, as estiagens tem se mostrado excelentes oportunidades para investimentos em inovação tanto na ampliação das fontes de água, como em opções como reuso em larga escala, para testar e desenvolver formas de implantação, políticas e aceitação pública.
- Comunicação clara e confiável é fundamental para a participação e engajamento da sociedade. Durante a “Seca do Milênio”, múltiplas abordagens de comunicação foram adotadas para disseminar informações sobre economia de água, níveis de armazenamento de água, necessidades e expectativas quanto à estiagem e alternativas para garantir água. Com base em suas experiências durante esse período, algumas cidades também desenvolveram planos de resposta para lidar com diferentes cenários com de estiagem.
- Dados consistentes e sistemas robustos de monitoramento e avaliação são fundamentais. Administrar a demanda por água requer quantificação do uso por setores, residências e indivíduos, que permitam a implantação de medidas de economia de água. De maneira similar, quantificações e análises precisas sobre capacidade de produção de água são parte integral do planejamento para articular oferta e demanda e dar resposta à seca. Quantificação da economia gerada por programas de redução do consumo de água também são importantes para melhorar o desenho de programas futuros.
- Mecanismos de precificação de água são necessários para equilibrar a economia deste recurso, as receitas e metas de equidade. Durante a “Seca do Milênio”, a precificação não foi utilizada para incentivar a economia de água. No entanto, com a seca atingindo diversas jurisdições, os preços aumentaram significativamente, impulsionado mais pelo crescimento de gastos com infraestrutura do que pelo deficit resultante da diminuição de consumo. Há potencial para se explorar mecanismos de precificação mais inovadores e neutros quanto à receita, tais como programas de bônus para usuários com baixo consumo de água e de multas para usuários com alto consumo.
Leia a íntegra do Lições aprendidas com a crise hídrica na Austrália, que reúne tudo que já foi traduzido do relatório original, também disponível na íntegra, mas em inglês, intitulado Managing Drought: learning from Australia. Abaixo, veja vídeo com uma breve apresentação de Stuart White, diretor do Institute for Sustainable Futures na Universidade de Tecnologia de Sydney (em inglês, com legendas em português). White integrou a equipe de pesquisa que produziu o relatório original.