SÃO PAULO – Todo o rio corre para o mar. O rio Colorado, nos Estados Unidos, não. Em um determinado ponto, um filete de água seca completamente antes de desaguar no oceano. Isso acontece porque, como se diz, o rio é completamente consumido na irrigação de lavouras. O aqueduto do rio Colorado, por exemplo, distribui 3,8 bilhões de litros por dia para plantações do sul da Califórnia que ficam a centenas de quilômetros de distância.
Algo ainda mais surpreendente aconteceu no mar de Aral. Entre o Cazaquistão e o Usbequistão, havia um dos maiores mares interiores do mundo até que nos anos 1950 decidiram desviar a água para irrigar o deserto no intento de cultivar algodão,e vendê-lo em mercados internacionais. Mais de meio século depois, o mar de Aral quase desapareceu completamente.
Como se sabe, seca, escassez hídrica e outros problemas hidrológicos não são exclusividade do mar de Aral nem do rio Colorado. Hoje, muitos dos grandes rios têm fluxo reduzido e alguns secaram quase que completamente.
A questão faz com que dedos sejam apontados contra a agricultura. Mas a bem da verdade é que ela é tanto causa quanto vítima da escassez de água. Para que haja produção de alimentos, é essencial que haja água de qualidade e quantidade adequadas. No fim das contas, agricultura e água estão fortemente ligadas.
“A agricultura não é algo ruim. De fato, dependemos totalmente dela. Não é uma coisa opcional. Não é luxo. É uma necessidade. Temos que prover alimento para mais de sete bilhões de pessoas no mundo hoje e essa demanda só vai aumentar no futuro“ afirma Jonathan Foley, diretor executivo da Academia de Ciências da Califórnia.
Água e agricultura em números
De fato os números são impressionantes. De acordo com dados compilados pela Academia de Ciências da Califórnia, atualmente o homem usa cerca de 50% da água doce da Terra, e a agricultura, sozinha, consome 70% disso. A área destinada para plantação em todo o mundo equivale a 16 milhões de km², algo do tamanho da América do Sul.
Os pastos do mundo cobrem 30 milhões km², o que equivale ao tamanho da África. A agricultura usa 60 vezes mais terra que áreas urbanas. A irrigação faz o maior uso de água no planeta. Usamos 2.800 km³ de água em lavouras todo dia. É o suficiente para preencher 7.305 Empire State Buildings todo dia.
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No Brasil, cerca de 72% da água captada no país vai para a produção agrícola, o que a mesma linha da média mundial de 70%. Embora o País tenha fama de ter água o bastante para todos, é preciso aprender a geri-la de forma mais eficiente e combater os desperdícios.“O desafio atual da agricultura mundial consiste em aumentar a produção de alimentos sem aumentar os impactos negativos ao meio ambiente. É certo que o incremento de produção necessária para suprir o aumento de demanda terá de vir da intensificação de terras agrícolas já existentes”, defende artigo de Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados e coordenador da rede Agrohidro.
É um desafio grande, tanto que a FAO, braço das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura defendeu recentemente que, com o crescimento da demanda por comida e também da escassez hídrica, é chegada a hora de tratar as águas residuais como um recurso para o crescimento das lavouras.
A FAO afirma que, se devidamente geridas, águas residuais podem ser usada com segurança para apoiar a produção agrícola, seja diretamente por meio da irrigação, ou indiretamente a partir da recarga de aquíferos.
“Embora ainda faltem dados mais detalhados, podemos dizer que, globalmente, apenas uma pequena proporção das águas residuais tratadas está sendo usada para a agricultura. Mas há um número crescente de países — Egito, Jordânia, México, Espanha e Estados Unidos, por exemplo — que estão explorando possibilidades para combater a escassez hídrica”, afirma Marlos de Souza, funcionário sênior da divisão de água e terra da FAO.
Política e incentivo
Em artigo publicado no site do Banco Mundial, a economista Rimma Dankova afirma que embora soluções para a escassez de água estejam sendo testadas em todo o mundo, é preciso maior apoio com políticas adequadas que façam a combinação certa de investimentos públicos e privados, acesso a conhecimentos e recursos para produzir mais e melhor com menos água.
“ Várias medidas de adaptação que tratam das mudanças climáticas e têm como base as melhores práticas de gestão do solo e da água têm o potencial de criar resiliência tanto para a questão do clima como da escassez hídrica. A intensificação sustentável da produção de alimentos, com sistemas de gestão da água mais eficientes adaptados à variabilidade climática e às circunstâncias locais, pode ajudar a aumentar a produtividade da água e a aumentar os rendimentos nas explorações”, diz.