SÃO PAULO – Em decisão inédita, no dia 20 de março o governo neozelandês concedeu ao rio Whanganui os mesmos direitos de uma pessoa. Com isso, o ato de poluir ou atacar o curso de água será tratado, pela Justiça da Nova Zelândia, como um ataque a um cidadão do país, com punições e consequências correspondentes. A decisão permite que o rio, por meio de seus guardiões, tome empréstimos, peticione a Justiça e até adquira bens. O rio também pode entrar na justiça – de novo, por meio de seus guardiões – contra a poluição de suas águas sem precisar provar que essa poluição tem impacto sobre a população, exigência que precisava ser atendida antes da mudança. “Estamos testemunhando um passo importante no sentido de preservar o ambiente em que habitamos”, disse o prefeito de Whanganui Hamish McDouall ao New Zealand Herald, um jornal local.
A luta para que o rio Whanganui tivesse direitos equivalentes ao de uma pessoa já tem mais de 140 anos. Ela foi iniciada por membros da tribo Maori Whanganui e está alinhada com o entendimento de mundo de seus integrantes. “Podemos traçar a nossas origens até o princípio do universo”, disse Gerrard Albert, principal negociador da tribo Whanganui na disputa pelo reconhecimento, ao jornal inglês “The Guardian”. “Nesse sentido, não nos vemos como mestres do mundo natural, mas sim como parte dele”. Dentro dessa lógica, aos Whanganui, reconhecer o rio como uma pessoa é tão natural como reconhecer os integrantes da tribo como pessoas.
O anúncio tem um forte componente simbólico, mas também prático. Com o reconhecimento do novo status do rio, 75 milhões de euros, o equivalente a cerca de R$ 249 milhões, foram pagos em reparações ao rio e outros 28 milhões de euros, ou cerca de R$ 93 milhões, foram separados para cuidar da “saúde” do curso de água. Trata-se de um investimento proporcional à importância e ao tamanho do rio, que é o terceiro maior da Nova Zelândia.
Rio Ganges
Pouco depois da decisão neozelandesa sobre o caso Whanganui, a corte do estado indiano de Uttarakhand anunciou o reconhecimento de direitos da pessoa do rio Ganges e seu principal afluente, o rio Yamuna. Há diferenças nas legislações dos dois países, mas, em linhas gerais, os três corpos de água passam a ser protegidos por leis parecidas. Acontece que, na Índia e, em especial, no Ganges e no Yamuna, a situação do saneamento é muito diferente da na Nova Zelândia.
Só no Ganges e no Yamuna são despejados, diariamente, 1,5 bilhão de litros de esgoto doméstico e 500 milhões de litros de esgoto industrial não tratados. “Quando essa novidade começar a valer, a poluição desses rios passa a ser ilegal, mas sabemos que é impossível interromper o despejo de tanto material de uma hora para outra”, disse Himanshu Thakkar, engenheiro à frente da South Asia Network on Dams, Rivers and People, uma rede de pessoas e organizações dedicadas às questões ligadas à água. “Os impactos práticos de uma decisão como esta na Índia ainda não estão claros”, afirmou.