SÃO PAULO – Como é feita a seleção dos mananciais que vão atender a demanda por água de uma cidade? Um novo livro, lançado na quarta-feira (23) pela historiadora Lorena de Pauli, mostra que os critérios nem sempre são só objetivos. Em “Uma História Ambiental dos Mananciais da Serra do Mar: o Abastecimento de Água para Curitiba (1870-1920)”, ela identifica e analisa “as premissas, as condições e o contexto da utilização dos mananciais da Serra do Mar como fonte de captação para o primeiro sistema de abastecimento de Curitiba”, inaugurado em 1908. “A intenção era encontrar água num lugar em seu ‘estado original’ e se, nessa direção, a buscaram na Serra do Mar, não foi somente por motivos técnicos”, afirma Lorena.
A partir do levantamento de documentação da época, Lorena conseguiu identificar que, inicialmente, uma das premissas estabelecidas para nortear o trabalho de busca e escolha do manancial para servir Curitiba era de que a região no entorno do corpo de água teria de ser desabitada. A lógica era de que, em um lugar distante de seres humanos, a potabilidade da água estaria garantida no médio e longo prazo. Faz sentido: acostumados com falta de água e rios urbanos nem sempre limpos, os curitibanos – e praticamente qualquer ser humano que vivia em cidades no começo do século 20, associavam a presença humana ao comprometimento das fontes de água.
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No fim, optou-se pela Serra do Mar, historicamente idealizada, na região, como um lugar intocado, com água farta e cristalina. A serra é presença constante no horizonte dos curitibanos, em paisagem que “remete ao paraíso”, segundo a autora. Acontece que, mesmo no começo do século 20, a região da Serra do Mar que abrigava os mananciais que passaram a atender as demandas por água da cidade não era desabitada. Pelo contrário, Lorena fala em “presença [humana] bastante significativa” no local. O argumento, portanto, de que a escolha dos mananciais teria sido feita a partir de critérios objetivos – a ausência de seres humanos – não se confirma.