SÃO PAULO – Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, vê com bons olhos o movimento de atrair a iniciativa privada para o saneamento básico. Para ele, no entanto, é preciso ressaltar o caráter de parceria que os dois setores devem ter. “É impossível pensar que o setor privado conseguiria substituir o setor público. O saneamento público representa 90% do atendimento no Brasil”, diz.
Embora não haja uma solução única para a falta de saneamento, a ideia principal das concessões deve ser unir a experiência que o setor público tem em atender essas pessoas há tantos anos com um parceiro que chega com tecnologia, recursos, condições de governança e de gestão mais modernas. Existem cuidados a se tomar ao longo do processo? Claro! “A resposta está em fazer uma boa regulação”, diz.
Confira a entrevista abaixo:
Juntos Pela Água: O Brasil deve passar por um processo de concessões na área de saneamento com o novo programa do BNDES. O senhor acredita que isso possa impulsionar os sistemas de tratamento de água e esgoto?
Édison Carlos: Eu acho muito importante esse movimento que o governo está fazendo de atração da iniciativa privada para o saneamento, especificamente em parceria com as empresas estaduais. Porque essas empresas juntas atendem mais de 70% da população brasileira para o tratamento de água e esgoto. Então qualquer mudança significativa em saneamento no País envolve a melhoria significativa dessas empresas. Melhorias não só de gestão, mas também de mais recursos, mais capacidade técnica, menos desperdício e tantas outras necessidades que as grandes empresas estaduais ainda têm. Acredito que qualquer programa governamental que vise resolver esses problemas,sem dúvida, é produtivo.
Juntos Pela Água: Muito se fala em público ou privado, por que o senhor defende que a resposta deve ser pública e privada?
Édison Carlos: Essa discussão eterna entre saneamento público e privado é completamente atrasada e descolada da realidade que o País vive hoje. Sem dúvida a resposta para esse problema é o “e” e não o “ou”. O saneamento público representa 90% do atendimento no Brasil – 70% das pessoas são atendidas pelas empresas estaduais e 20% pelas empresas municipais. Isso já se mostrou que não é suficiente, senão a gente não precisaria ficar discutindo isso. Também é impossível pensar que o setor privado conseguiria substituir o público. A saída é discutir o trabalho em conjunto. Unir a experiência que o setor público tem em atender essas pessoas há tantos anos com um parceiro que chega com tecnologia, recursos, condições de governança e de gestão mais modernas. Note que em nenhum momento estou falando em eliminar empresa pública. Estou falando de trabalhar em parceria, o que eu acho ser o mais inteligente.
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Juntos Pela Água: Qual o papel da iniciativa privada para a universalização do sistema?
Édison Carlos: O setor privado traz noções como produtividade, fazer mais com menos, conseguir recursos, que são comuns na indústria há décadas. Mas é claro que não existe uma solução única. Cada cidade, cada estado tem a sua característica. Tanto que o BNDES propôs modelagens específicas para cada estado que deve partir de um diagnóstico preciso da situação local para se determinar a melhor forma de trabalhar como, por exemplo, se a atuação será mais no esgoto ou na água, ou se será nos dois. Mas o que já está aprovado pela maior parte das cidades operadas pela iniciativa privada é que há um combate às perdas de água. Isso é uma coisa que precisa demais em todo o País. No Brasil, em média, a perda é de 30%, mas temos na maior parte desses estados que estão em negociação com o BNDES perdas de até 50%. Quando uma empresa não consegue receber pela água que produziu, ela perde toda a capacidade de investir. E o que a gente percebe é que o setor privado sempre ataca muito fortemente as perdas de água, pois sabem que aquilo tem papel decisivo na continuidade do investimento em saneamento. Aí está um grande ganho que está por trás da tecnologia, recurso e foco, além de capacidade, noções de produtividade inerentes ao setor privado. É muito sintomático, quando você tem uma cidade com altos índices de perda de água, normalmente você tem problemas no resto todo do saneamento. Fazendo combate mais rigoroso à perda você acaba melhorando o caixa da empresa a ponto de ela poder investir na rede de água e esgoto.
Juntos Pela Água: Entre as 20 cidades com maior eficiência no serviço de saneamento há a mesma proporção de empresas públicas e empresas privadas. O mesmo acontece entre os últimos no ranking. Que análise o senhor faz desses dados?
Édison Carlos: Isso mostra que não é questão de ser uma ou outra, pública ou privada, tem que ser eficiente. Se for uma empresa privada e não for eficiente também não serve. Temos que olhar o melhor serviço para o cidadão, em um custo melhor para o cidadão. Por isso a regulação é importante. Passa-se a ideia de que uma empresa, quando começa a operar numa cidade, pode fazer o que quiser e colocar a tarifa que bem entender. E não é assim. A regulação serve justamente para poder combinar a necessidade que o cidadão tem, o poder aquisitivo que ele tem com a legitimidade da tarifa que a empresa precisa para sobreviver.
Juntos Pela Água: Muitos críticos afirmam que existem muitos exemplos negativos de privatização do saneamento pelo mundo. Que cuidados o País deve ter?
Édison Carlos: Primeiro eu acho que não é um processo de privatização, é um processo de parceria porque não vão substituir o sistema público. Segundo, tudo isso precisa ter regulação com agências reguladoras com independência financeira, política e jurídica para fazer o seu papel de fiscalização e cobrança das metas propostas no contrato, verificando a melhor tarifa do cidadão e da empresa que opera, a qualidade do serviço que está sendo entregue. Se tudo isso for respeitado, as chances de dar problema são muito pequenas. Lembrando sempre que o poder público, o poder concedente, é sempre o município. Mesmo que o acordo seja feito com a empresa estadual, e se o processo não estiver acontecendo na velocidade prevista pelo contrato é possível retirar a concessão. O prefeito sempre tem a possibilidade de questionar se ele achar que o sistema não está correndo na velocidade que foi combinada. A questão é não deixar solto. Tem que controlar, fazer um bom contrato com metas claras e realista e com a agência reguladora forte por trás.