SANEA_
MENTO
NO
BRASIL
Saneamento no Brasil não é um tema fácil e o Juntos Pela Água preparou esse especial para te ajudar a entender melhor o assunto.
Panorama reúne estatísticas, dados, responsabilidades, desafios, bons exemplos e discussões sobre saneamento no Brasil
Falar de saneamento no Brasil não é tarefa simples. Em um País de dimensões continentais como o nosso, heterogêneo e desigual em nível municipal, estadual e regional, os desafios para entender um pouco mais do assunto são muitos. É fácil se perder nas estatísticas de acesso à água potável e recolhimento e tratamento de esgoto, por exemplo, ou confundir as instâncias de poder e suas respectivas responsabilidades. Também é fácil perder de vista os verdadeiros desafios do setor e como eles podem ser contornados, ou se embaralhar com os grandes temas atuais, como a discussão em torno da desestatização.
Nesse sentido, o Juntos Pela Água preparou este especial, não para dar respostas definitivas, mas para contribuir com a discussão informada sobre o tema. Reunimos os principais números do setor em texto e vídeo, delineamos as principais responsabilidades, apontamos os grandes desafios, mostramos uma experiência exemplar, e introduzimos temas importantes. Tudo para estimular a discussão e a ação ligadas ao saneamento. Compartilhe, participe, comente e discuta!
Dados do saneamento
no Brasil
Sem números e estatísticas, não existe política pública. No setor de saneamento, porém, são muitas as fontes oficiais desses números e estatísticas, o que dificulta a construção de um retrato fiel da realidade no setor. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), por meio do CENSO e da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), e o SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento), vinculado ao Ministério das Cidades, são apenas algumas das fontes de dados oficiais da área. E cada uma usa métodos de pesquisa diferentes, produzem indicadores diferentes em intervalos diferentes – o que dificulta o uso e a contextualização dos dados de diferentes fontes.
Ainda assim, alguns números do saneamento no Brasil são eloquentes e revelam, de maneira relativamente clara, a situação no País. Vamos privilegiar os dados do SNIS, base de dados tida como a mais completa do setor, embora tenha suas fragilidades por depender do envio anual de informações pelas companhias e concessionárias. Segundo dados de 2015 do SNIS, 83,3% dos cidadãos têm abastecimento de água por rede de distribuição, o que significa que 35 milhões de brasileiros não dispõem desse serviço. Ainda de acordo com os dados do SNIS, quase metade da população, ou 49,7% dos brasileiros, não têm serviço de coleta de esgoto, o que equivale a cerca de 100 milhões de pessoas usando fossas ou jogando o efluente em rios e córregos. Do esgoto que é coletado, apenas 42,7% é tratado, sendo que na região Norte, esse índice cai para 16,4%, o mais baixo do País, enquanto na região Centro-Oeste, ele bate os 50,2%, o mais alto do País (SNIS, 2015).
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De acordo com os dados de 2015 do Diagnóstico dos Serviços de Águas e Esgotos, produzido pelo Ministério das Cidades, o brasileiro consome, em média, 154 litros de água por dia – 40%, ou cerca de 44 litros a mais que os 110 litros diários recomendados pela Organização das Nações Unidas (ONU). E, segundo dados de 2015 do SNIS, 36,7% de toda a água tratada produzida no País é perdida na distribuição – sendo cerca de 60% em perdas físicas e 40% em perdas aparentes. Isso significa que, a cada 10 litros de água tratada produzida, cerca de 2,2 litros são perdidos em vazamentos e 1,5 litro é desviado, por meio de gatos e outras ligações irregulares.
Por fim, segundo estimativa publicada no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), de 2013, e calculada a partir de dados do SNIS daquele ano, para universalizar o acesso aos serviços de água, esgoto, manejo de resíduos e drenagem até 2033, seria preciso investir R$ 508 bilhões, o que dá cerca de R$ 25,4 bilhões em investimentos anualmente desde 2013. Hoje, segundo o ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), os aportes anuais têm ficado na casa dos R$ 10 bilhões, ou seja, pouco mais que 39% do necessário para atingir a universalização até 2033.
Quem é responsável
pelo saneamento no Brasil
“Muitos cidadãos e muitos gestores têm pouco conhecimento sobre a complexa repartição de responsabilidades sobre a água”, diz Estela Neves, professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPED-IE/UFRJ). “Nessa divisão, entra o setor ambiental, o setor de recursos hídricos, o setor de saneamento, o setor de saúde, a defesa civil – e ninguém tem uma visão do todo”, afirma Estela Neves, que, em 2017, produziu os estudos “Governança da água doce” e “O município e a governança da água”, para a “Aliança Pela Água”.
“Sabemos, porém, que a combinação das responsabilidades dá ao município um papel singular”, afirma Estela. “Ele é o primeiro representante do governo do Estado do ponto de vista dos munícipes”, afirma Estela. “E o que ele faz não é substituído por uma determinação Estadual ou Federal”.
Trata-se de uma premissa que está, de certa forma, contemplada na lei 11.445/07, conhecida como Lei do Saneamento Básico e sancionada em 2007. Além de prever a universalização dos serviços de água e de tratamento de esgoto, o documento define as competências das diferentes instâncias de governo quando o assunto é saneamento. Em linhas gerais, o texto estipula que cabe ao governo federal “estabelecer diretrizes e formular e apoiar programas de saneamento em âmbito nacional”, ao governo estadual “operar e manter sistemas de saneamento, além de estabelecer as regras tarifárias e de subsídios nos sistemas que opera”, e ao governo municipal, “prestar, diretamente ou via concessão à empresas privadas, os serviços de saneamento básico, coleta, tratamento e disposição final de esgotos sanitários”. Fica claro, portanto, que o titular do serviço é o município.
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A lei estabelece, ainda, que todo trabalho no setor será fiscalizado pelas agências reguladoras – frequentemente estabelecidas em âmbito estadual ou federal – e por órgãos de monitoramento públicos, como o SNIS, o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico, vinculado ao Ministério das Cidades. Cabe ao SNIS coletar e organizar informações operacionais, gerenciais, financeiras e de qualidade de atendimento fornecidas anualmente pelas prestadoras de serviços de saneamento. Já às agências reguladoras, cabem funções como as de “implementar e coordenar a gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos e regular o acesso à água, promovendo seu uso sustentável.”
Os desafios do saneamento
no Brasil
Mas se leis, agências, ministérios, políticos e sociedade civil dizem que saneamento é prioridade, por que ainda temos indicadores tão ruins? Essa pergunta pautou um painel durante o Congresso Abes Fenasan 2017, um dos maiores encontros do setor, que reuniu representantes de oito das mais importantes associações da área de saneamento do País. Trata-se de uma pergunta que faz surgir um segundo questionamento: quais são os principais desafios que precisam ser vencidos – ou seja, o que falta ser feito – para que a universalização dos serviços de saneamento se torne realidade? As respostas constroem um bom panorama do que precisa mudar e se organizam em quatro grandes eixos temáticos: o desafio da integração, do planejamento, da legislação e do financiamento.
“A integração entre ministérios envolvidos em iniciativas ligadas ao saneamento é fundamental e não acontece como deveria”, disse Luiz Pladevall, vice-presidente da Abes-SP (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária Ambiental, seccional São Paulo). Hoje, estima-se que 11 dos 22 ministérios brasileiros destinam, direta ou indiretamente, recursos para projetos de saneamento. Para Pladevall, a ideia de um ministério dedicado, exclusivamente, ao saneamento, ou a reunião de todas as atividades ligadas à área em uma única pasta, seria um caminho para organizar e dar foco a esses esforços.
Melhorar a capacitação de quem trabalha com saneamento, principalmente em órgãos públicos, também é um desafio. Para Vladimir Souza, presidente da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Hídricos), é nítida a incapacidade técnica dos envolvidos com a questão, principalmente no nível municipal. “Os Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSBs), que são uma obrigação das cidades, muitas vezes são pouco realistas porque falta conhecimento a quem produz esse material”, disse Souza. Carlos Mingione, presidente do Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva), fez coro. “Faltam propostas factíveis”. Vale lembrar que, hoje, segundo dados do Instituto Trata Brasil, apenas 30% dos 5.570 municípios brasileiros têm PMSBs. Outros 38% estão em processo de elaboração desse material, 2% não tem dados consistentes nesse sentido e 30% não divulgaram informações sobre o assunto.
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“O problema é que saneamento nunca foi prioridade no País”, resume Roberto Tavares, presidente da Aesbe (Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais). E a desorganização e falta de integração dos esforços no setor seriam sinal disso. “Licenciamento, titularidade e financiamento precisam ser pensados e discutidos juntos”, afirmou. “Mas isso não acontece”. Nesse sentido, a reorganização institucional, que passa pela revisão do marco regulatório, é fundamental, sugeriu Tavares.
Os municípios onde o
saneamento funciona
Mesmo nesse cenário, há bons exemplos de cidades brasileiras que conseguiram avançar com o serviço de saneamento básico. Todos os anos, o Instituto Trata Brasil divulga o Ranking do Saneamento das 100 Maiores Cidades do Brasil, e, nas primeiras posições, se acumulam municípios que, com vontade política, concentração de esforços e investimentos conseguiram chegar à universalização.
Santos, no litoral paulista é uma dessas cidades. Há mais de um século comprometido com o saneamento, o município ranqueou em quarto lugar na tabela do Trata Brasil de 2017, elaborada com dados de 2015 fornecidos pelas operadoras de saneamento de mais de cinco mil municípios brasileiros ao SNIS (conheça, em detalhes, o processo de compilação e elaboração dos índices e do ranking).
Na cidade, 100% da população tem água tratada, 99,9% tem esgoto, 97,6% do esgoto é tratado e as perdas na distribuição são de 16,5% – menos da metade dos 36,7% de média nacional. O que não quer dizer que tudo seja perfeito na cidade litorânea.
Sabe-se, por exemplo, que, na chamada Zona Noroeste, de um lado da cidade dificilmente avistado por quem está nas praias ou na região central, vivem quase 100 mil pessoas. Lá, cerca de 10% da população, a maioria em ocupações irregulares, não tem saneamento e, quem tem, frequentemente enfrenta problemas com o serviço. “Se estabeleceu uma rede de assentamentos precários, alguns sobre palafitas, que não têm saneamento”, diz José Carriço, urbanista e professor de arquitetura da Universidade Católica de Santos. Segundo ele, dificuldades impostas pela baixa elevação do terreno e o alto índice de ocupações irregulares atrasaram e ainda atrasam a chegada de água tratada e recolhimento de esgoto na região. “Hoje a prefeitura está desenvolvendo um projeto chamado “Santos Novos Tempos”, para enfrentar essa questão”, afirma Carriço. Mas os esforços têm muito que avançar.
Universalizar o saneamento em regiões com assentamentos irregulares, também chamados de “aglomerados subnormais” não é um desafio apenas de Santos. Como áreas ocupadas sem autorização, elas têm como principal característica a irregularidade fundiária. Um bom exemplo são as favelas. Estas ocupações, frequentemente localizadas em terrenos particulares ou públicos invadidos, ou ainda em regiões de preservação ambiental – como margens de rios, encostas e topos de morro, igualmente invadidas -, são cronicamente mal atendidas por serviços públicos – o saneamento é um deles.
E a razão, segundo as autoridade, é relativamente simples: como o uso da área é irregular, quem ocupa não tem documentação que reconheça sequer a existência do terreno, muito menos a sua propriedade, o que inviabiliza a instalação de serviços públicos. Trata-se, portanto, de um desafio para as prefeituras e para as operadoras de saneamento. Levar serviços de qualidade para essas áreas é garantir mais saúde e qualidade de vida para as pessoas que lá residem.
Um estudo divulgado em 2016 pelo Instituto Trata Brasil ajudou a dimensionar o desafio que as áreas irregulares representam para a universalização do saneamento básico. Em uma amostra de 63 municípios espalhados por 15 estados, foram identificados 6.026 assentamentos irregulares onde vivem 4,9 milhões de pessoas. Desta população, apenas 11,7% têm acesso à água e esgoto, enquanto 28,3% têm acesso só à água e 2,4%, só ao esgoto. A proporção de pessoas sem acesso algum aos serviços de saneamento – sejam eles na forma de água ou de esgoto – é de 72%.
Isso não significa que a população não esteja usando água e produzindo esgoto. Em muitos casos ocorre que esse consumo não é devidamente contabilizado e cobrado, já que a água é obtida por meio de ligações irregulares e o descarte do esgoto é feito de forma inadequada. O que cria outro problema. Segundo o mesmo estudo do Instituto Trata Brasil, a perda de arrecadação com serviços de saneamento entre os 100 maiores municípios do País é de, pelo menos, R$ 2,6 bilhões ao ano. Trata-se de uma perda média de R$ 26 milhões por município – valor que faria diferença no orçamento de qualquer cidade. Inclusive em Santos.
Apesar da lentidão na expansão do atendimento na Zona Noroeste, o caso da cidade no litoral paulista inspira por mostrar que o compromisso de longo prazo de uma cidade com a agenda do saneamento dá frutos. O primeiro plano estruturado na área em Santos tem mais de um século e foi desenhando e implantado pelo engenheiro e sanitarista Saturnino de Brito. Com canais que separam água de chuva e esgoto, comportas e bombas automáticas, o projeto é reconhecido internacionalmente por seu pioneirismo e por ter dado o primeiro e mais importante passo para que Santos ocupe, hoje, a quarta colocação no ranking do saneamento.
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A discussão sobre a
privatização dos serviços de
saneamento no Brasil
Com o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e a ascensão do vice-presidente Michel Temer (PMDB) ao cargo máximo do poder Executivo no País, a agenda da privatização ganhou força. No saneamento, as PPPs e a privatização tem tanto apoiadores quanto questionadores. Entre os que defendem a privatização, um dos argumentos mais usados é o de que o setor público não tem recursos suficientes para investir os R$ 508 bilhões necessários para garantir a universalização do saneamento básico até 2033.
Jorge Sellin, gerente da área de desestatização do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) é um dos que frequentemente usa esse raciocínio. Foi sob a sua gerência na instituição que o órgão montou um programa que oferece, aos Estados, a opção de contratar o BNDES para elaborar um estudo que indica a melhor modelagem de prestação de serviço na unidade federativa – frequentemente uma mescla entre serviços públicos e privados. Em maio, onze Estados já tinham pedido o levantamento e outros cinco estavam em vias de fechar a parceria.
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A agenda da privatização, porém, arrefeceu. Segundo levantamento feito no final de outubro pela Folha de S.Paulo, apenas sete Estados de fato começaram a fazer os estudos de viabilidade – e as chances de todos virarem editais é pequena. O desinteresse repentino se explicaria pela proximidade das eleições de 2018 – poucos governadores, principalmente os que farão campanhas pela reeleição, estariam dispostos a seguir com uma iniciativa potencialmente impopular como essa. Isso não significa que as iniciativas não possam ser retomadas em 2019 – já que, claramente, há interesse de importantes atores na privatização das companhias estaduais.
Entre os que questionam a privatização, circulam alertas para o perigo de “tratar água como mercadoria e não como direito”. Um dos argumentos usados é o de que, em uma operação onde o lucro é o objetivo final, o atendimento de cidades pouco rentáveis pode ficar comprometido. Também fala-se que a privatização não pode ser vista como solução para todos os problemas do saneamento. Do mesmo jeito que há operações públicas ruins, há operações privadas igualmente ruins. Argumenta-se, ainda, a importância de se preservar as partes do atual marco regulatório que funcionam – coisa que muitas vezes é abandonada nos processos de privatização.
Trata-se de uma discussão que está apenas começando, mas que já faz parte do grande cardápio de assuntos que envolvem o saneamento no Brasil. Para continuar inteirado o que acontece nesse universo, acompanhe a cobertura e o conteúdo do Juntos Pela Água.