SÃO PAULO – Quem circula pelas grandes cidades do sudeste brasileiro já se acostumou a cruzar com placas afixadas em edifícios residenciais e comerciais que informam: “esse prédio usa água de reúso”. Pudera, entre 2014 e 2015, a região foi vítima da pior estiagem nos últimos 84 anos, com mananciais fundamentais ao abastecimento de capitais como São Paulo e Rio de Janeiro secando a níveis jamais vistos. Assim, tanto em prédios residenciais quanto em prédios comerciais, a água de reúso virou alternativa para regar jardins, lavar calçadas, fachadas e carros, e até encher descargas sem precisar recorrer à água da rede.
Mas o que é água de reúso? A água da chuva, quando armazenada e reaproveitada para a limpeza do quintal de uma casa, por exemplo, pode ser classificada como “de reúso”. Mas é preciso destacar que não existe um, mas muitos tipos de água que podem receber a essa etiqueta. E diferentemente do armazenamento da água da chuva, algumas águas de reúso são obtidas por meio de complexos processos químicos, físicos ou biológicos, muitas vezes seguindo parâmetros mais rigorosos do que aqueles que regulam a distribuição de água potável. Nesse sentido, há classes de água próprias para reúso residencial, comercial e até industrial. Conceitualmente elas têm em comum o fato de já terem sido utilizadas anteriormente.
A indústria e a água de reúso
A indústria brasileira consome 7% de toda a vazão de água do País, segundo as informações mais recentes da Agência Nacional de Águas (ANA). Das caldeiras industriais às torres de resfriamento, passando pela cura de concreto e a lavagem das peças na indústria mecânica – boa parte dos processos neste segmento da economia precisa de água. Mas não precisa ser água potável. É aí que a água de reúso surge, com cada vez mais força, como alternativa viável e vantajosa.
Talvez uma das vantagens mais evidentes é a redução de custos que a adoção da água de reúso proporciona. Estima-se que por um metro cúbico do recurso paga-se o equivalente a metade do valor que se paga pela mesma quantidade de água potável. Em alguns casos, a diferença pode ser ainda maior, com um metro cúbico de água de reúso custando um terço do valor da água potável. Uma redução dessa ordem em um gasto fixo com um insumo insubstituível tem força não só para aumentar os lucros, mas também para liberar valores para investimentos em áreas como pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura e remuneração de força de trabalho.
A previsibilidade garantida pelo fornecimento de água de reúso é outra qualidade valorizada pela indústria. Com uma boa infraestrutura instalada, o fornecimento do insumo em longo prazo não só está garantido, como está garantido por um preço conhecido pelo cliente. Isso assegura a continuidade e sustentabilidade da produção, que pode ser programada sem precisar levar em conta as frequentes flutuações de preço da água de rede.
Os benefícios da água de reúso pela indústria não se limitam ao setor. A adoção desse tipo de água também contribui diretamente para a redução do volume de esgoto lançado sem tratamento no meio ambiente. Afinal, a água de reúso usada pela indústria frequentemente começa como esgoto que, muitas vezes, seria lançado sem tratamento em rios e córregos. E mais: como a indústria que opta pela água de reúso deixa de consumir água da rede, o volume que ela para de captar permanece na rede para atender a usos mais nobres, como o consumo humano.
Aquapolo: uma referência no setor
No Brasil, podemos ver de perto os benefícios trazidos pela adoção, por parte da indústria, da água de reúso. O maior empreendimento do Hemisfério Sul dedicado exclusivamente à produção deste tipo de recurso para este fim fica no País – mais especificamente, na região do grande ABC paulista, formada pelos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, além de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Batizado de Aquapolo, o empreendimento é fruto de uma sociedade formada entre a Odebrecht Ambiental e a Sabesp, e foi criado para atender, inicialmente, unidades fabris de cinco empresas do Polo Petroquímico da região: Braskem, Cabot, Oxicap, Oxiteno e White Martins.
Embora a concentração de indústrias no ABC tenha sido um dos grandes motivadores da instalação, em 2009, de um projeto de água de reúso tão grande quanto o Aquapolo no ABC, ele não foi o único. O fato de o Polo Petroquímico funcionar em uma região historicamente mal servida por recursos hídricos também pesou. Afinal, a sub-bacia do Alto Tietê, onde fica o aglomerado industrial, é a segunda região mais precária do mundo em termos de recursos hídricos próprios e disponíveis para consumo.
Segundo levantamento da Agência Nacional de Águas (ANA), a oferta de água na região, onde também vivem 2,5 milhões de pessoas, é de parcos 130 metros cúbicos por habitante por ano. Isso não chega nem a 6% dos 2,5 mil metros cúbicos de água por habitante ao ano considerados adequados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Até no Estado de São Paulo, onde está a sub-bacia, a média é de 2,9 mil metros cúbicos por habitante por ano e no Brasil, de 33 mil metros cúbicos.
Assim, não surpreende que o maior projeto para água de reúso industrial da América do Sul e quinto maior do mundo esteja na região. Qualquer iniciativa para reduzir as demandas em um cenário como estes seria bem vinda. E foi exatamente isso que o Aquapolo fez. A partir de 2012, depois de três anos de obras e o investimento de R$ 364 milhões, começou o atendimento às 10 unidades fabris, desobrigando o sistema de água da região de entregar 650 litros por segundo ao Polo. “Com o início da operação do Aquapolo toda essa vazão, utilizada para abastecer a indústria, ficou disponível para o consumo humano. Da maneira como foi estruturado o projeto, o volume de água que deixa de ser usado na indústria é capaz de abastecer uma cidade de médio porte, como Santos, no litoral Paulista”, afirma Fernando Santos-Reis diretor-presidente da Odebrecht Ambiental, controladora do Aquapolo.
Novos clientes
No final de 2015 e início de 2016, mais duas empresas se somaram à lista de clientes do Aquapolo. Mesmo não estando dentro do Polo Petroquímico, a Bridgestone, fabricante de pneus, e a Paranapanema, produtora de cobre primário, puderam ser atendidas pelo sistema graças à infraestrutura pensada para permitir a instalação de novos ramais.
E não houve necessidade de ampliar o sistema Aquapolo, que à época da inclusão da Bridgestone e da Paranapanema, operava com apenas 65% de sua capacidade, entregando 650 litros por segundo de vazão, mas apto a entregar até 1000 litros por segundo. “A expansão para fora do Polo Petroquimoco sinaliza o entendimento das indústrias quanto à importância da sustentabilidade e o papel de cada um na conservação dos recursos naturais. De imediato o Aquapolo tem condição de atender outras empresas que estejam próximas a adutora que passa por Mauá, Santo André e São Caetano” diz Fernando Santos-Reis, diretor-presidente da Odebrecht Ambiental.”Outros projetos customizados como este também podem ser realizados em todo o pais”, complementa.
Os benefícios são, realmente, inegáveis. Desde que foi instalado no Polo Petroquímico, o Aquapolo reduziu o consumo anual de água potável do aglomerado industrial em 6,02 bilhões de litros. Só em uma das quatro unidades da Braskem beneficiadas pelo empreendimento, nos primeiros dois meses de funcionamento, 7,9 mil metros cúbicos de água potável deixaram de ser consumidos. E as despesas só com a substituição de trocadores de calor despencaram R$ 1,86 milhão em um ano.
Investir em água de reúso é valorizar a água nas suas mais variadas formas. Está claro que os benefícios diretos e indiretos de empreendimentos como o Aquapolo – cujo contrato prevê funcionamento até, pelo menos, 2053 – não se esgotam na indústria. E dadas as perspectivas de escassez de recursos hídricos nos próximos anos e décadas, a esperança é que, no futuro próximo, a água de reúso industrial se popularize como se popularizou a água de reúso doméstica e comercial na estiagem de 2014 e 2015. O ABC paulista saiu na frente.