SÃO PAULO – Não é preciso bola de cristal para saber que eventos extremos como tempestades e secas estão acontecendo de forma mais frequente e intensa. Basta lembrar de fatos como a tragédia na serra fluminense, em 2011, que matou quase mil pessoas e deixou milhares desabrigados. Ela se deu por vários fatores, entre eles a ocupação irregular e um fenômeno raro: choveu em uma noite o que era esperado para o mês inteiro.
Casos como esse estão se tornando cada vez mais comuns e os dados mostram que os padrões estão mudando. Nos Estados Unidos, por exemplo, pesquisadores conseguiram comprovar uma alteração no padrão de enchentes: elas estão mais frequentes em uma parte do país, enquanto que em outra, se tornaram raras. Outras mudanças de padrão também devem estar acontecendo pelo mundo.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é esperado que as mudanças climáticas – e o consequente aumento de secas, tempestades e enchentes – afete a capacidade e as operações de serviços de água e saneamento existentes. Com isso, os serviços devem se preparar para as consequências previstas das inundações e das secas. Esses impactos também devem ser levados em conta na concepção e construção de novos sistemas.
Entendendo a lógica
Como bem lembra Catarina Albuquerque, ex-relatora especial das Nações Unidas para o direito à Água e Saneamento, em texto divulgado na imprensa, a seca leva à insuficiência dos recursos hídricos disponíveis para limpar adequadamente os sistemas de esgotos, e o aumento das temperaturas pode ter um impacto no funcionamento dos sistemas de esgotos. Já as inundações, provocadas por tempestades ou elevação do nível do mar, podem levar à inundação de banheiros ou instalações de tratamento de esgoto, o que aumenta o risco de contaminação.
Ela ainda aponta dois problemas comuns em grande parte do mundo. O primeiro é o fato de a maioria dos sistemas urbanos existentes ter a drenagem de águas pluviais combinada com o sistema de esgoto, o que acaba colocando as áreas urbanas em risco de inundações contaminadas. Em algumas cidades, mesmo tendo redes separadas, parte dos moradores, por desconhecimento, ainda direcionam água da chuva para a rede de esgoto. O outro problema é as estações de tratamento de esgoto serem frequentemente posicionadas em terreno baixo – pois os sistemas de esgoto dependem da gravidade -, mas isso os coloca em risco quando há enchente ou aumento do nível do mar. Fora isso, rios e outros corpos de água são regularmente poluídos com esgotos não tratados.
Junto às mudanças climáticas, há ainda o rápido crescimento urbano que têm focado a atenção na resiliência das cidades em todo o mundo, não apenas em eventos extremos, mas também em tempestades mais pesadas do que o normal e levantou questões sobre como o risco de inundação pode ser gerenciado.
Como resultado, começaram a pipocar em todo o mundo novos modelos de monitoramento e alerta de enchentes, aplicativos que acompanham e divulgam para a população a situação dos reservatórios e um cuidado, cada vez maior com a resiliência do tratamento de água e esgoto.
Vamos criar soluções
Se por um lado inundações repentinas, erosão em matas ciliares e perda de drenos são prejudiciais para o abastecimento de água e tratamento de esgoto, por outro lado, a situação clama para que as cidades sejam projetadas e adaptadas de forma mais flexível com a água.
Ed Barsley, especialista em design ambiental do Centre for Risk in the Built Environment (CURBE) da Universidade de Cambridge acredita que a adaptação e o planejamento podem constituir uma oportunidade única para aumentar a qualidade das cidades.
“É claro que não existe uma estratégia única ”, diz. “Para algumas áreas, a defesa é uma possibilidade. Para outras, a retirada é a única opção. Mas para aqueles incapazes de fazer qualquer medida, nós necessitamos reescrever as regras e mudar nossos conceitos para que a água deixe de ser um perigo para as cidades”.