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SÃO PAULO – A capital da Bolívia está sofrendo, e não é de hoje, os efeitos das mudanças climáticas de modo mais rápido que o resto do mundo. A 3.360 metros de altura, La Paz tem duas fontes principais de água: as geleiras e as chuvas sazonais que reabastecem os reservatórios da cidade. No entanto, muita coisa mudou. As geleiras já não são mais as mesmas e as chuvas não vieram como o esperado no ano passado. A combinação destes dois fatores fez com que o governo declarasse estado de emergência e cortasse, de repente, o abastecimento de metade dos 800 mil moradores em outubro de 2016.
De acordo com matéria do site Popular Science, a situação em La Paz poderia ser evitada. Por anos, cientistas previram que mudanças climáticas poderiam causar uma devastadora seca na planície Andina. Mesmo assim, ONGs continuam a defender melhores estratégias de gestão hídrica agora que um importante lago secou e as chuva do último inverno diminuíram 25%.
De fato, tratava-se de um problema anunciado. Coube ao professor do Instituto de Hidráulica e Hidrologia da Universidade Mayor de San Andrés em La Paz, Edson Ramirez o papel de arauto. Em 1998, ele começou a fazer medições na geleira de Chacaltaya, nos arredores de La Paz, e os estudos provaram que o glaciar estava desaparecendo a uma velocidade de, pelo menos, um metro por ano. Ramirez calculou, então, que o fim do glaciar seria em 2015.
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Em 2005, ele fez o alerta às autoridades municipais e discutiu as consequências da má notícia para a cidade. Ramirez apresentou o cronograma da tragédia para a administração e recebeu como resposta algo que tem se tornado um clássico nos problemas ambientais: “talvez isso aconteça, mas talvez não aconteça”.
Aconteceu. Atualmente já se pode dizer que La Paz entrou para um mundo pós-água, onde o racionamento rigoroso é o novo padrão e figuras conhecidas como “os generais da água” tomam conta da distribuição. Por meses, alguns dos bairros da cidade receberam água apenas uma vez a cada três dias e por algumas horas. Quando a água aparece na torneira, os moradores correm para encher banheiras, baldes, latas de lixo na tentativa de um armazenamento caseiro.
Acontece primeiro em La Paz
Devido à localização e a elevação da Bolívia, todo o país está sofrendo o impacto das emissões dos gases do efeito estufa em um ritmo muito mais acelerado que nos Estados Unidos ou no Brasil, por exemplo. Há 40 anos, o aumento de temperatura era de 0,11°C por década. Na última década, ele foi de 0,33°C. A título de comparação, a média global era 0,15°C (há 40 anos) e 0,20°C (nesta última década).
Outro problema é que as mudanças climáticas também têm provocado o aumento da intensidade do fenômeno El Niño nas águas do Oceano Pacífico. Em anos de El Niño, a Bolívia obtém entre 20% e 30% menos chuva que a média. Mas mesmo nos anos sem a influência do El Niño, o que se tem observado é que as chuvas também estão vindo menos frequentes e em rajadas mais intensas, tornando mais difícil a captura da água.
A grande lição que se tira com a questão da água na Bolívia é que não é difícil prever. Com o aquecimento global e as mudanças nos padrões de chuva fica difícil repor glaciares em todo o mundo. E a medida que os glaciares desaparecem, um a um, secas e escassez hídrica serão mais comuns. “Não vejo mostras de que novas políticas estão sendo desenvolvidas de forma proativa. Isso está se intensificando”, disse ao site Popular Science Martin Sharp, professor da Universidade de Alberta, no Canadá. O professor estuda glaciares, hidrologia e mudanças climáticas há anos.